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19 de Abril de 2024

Ativismo judicial: a expansão dos poderes judiciais

Ativismo judicial: a expansão dos poderes judiciais

Publicado por Diego Carvalho
há 6 anos

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos do século XX e, com mais ênfase, no presente século XXI, após o marco da Constituição Federal de 1988, passamos a observar em nosso contexto democrático, uma significativa alteração do espaço ocupado pelo Judiciário - em específico do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, a Corte vem alargando ou expandindo os seus poderes de decisão, frente aos demais poderes que recebem o batismo do voto.

Não obstante, este exercício ou atitude expansionista da Corte, tem gerado inúmeros e calorosos debates hodiernamente. O ativismo judicial tem se tornado um “adjetivo”, pejorativamente atribuído às decisões judiciais que supostamente afastam-se dos limites institucionais e funcionais da democracia. Todavia, esse tipo de abordagem centra-se na aparente manifestação do fenômeno, mas pouco diz sobre o seu conteúdo.

Sendo assim, este artigo visa principalmente refletir sobre os problemas conceituais acerca da utilização do termo “ativismo judicial”, na doutrina brasileira. Entretanto, nem de longe se propõe esgotá-los. Para tanto, dividiu-se este artigo em três tópicos.

No primeiro, discorre-se ainda que brevemente, sobre a origem da terminologia "ativismo judicial", visando fornecer o mínimo de base para a controvérsia que se estabelece nos próximo tópicos. No segundo, expõem-se a aparente associação entre o fenômeno e a usurpação de poder, expondo as principais abordagens sobre a utilização do termo na doutrina brasileira. Por último, verifica-se o núcleo comportamental do ativismo judicial, visando identificar uma abordagem mais objetiva e menos estanque.

I - A origem do termo “ativismo judicial”

A doutrina norte-americana reconhece que quem primeiro utilizou o termo foi o historiador estadunidense Arthur Schesinger Jr, num artigo denominado The Supreme Court: 1947, publicado na Revista Fortune, vol. XXXV, nº 1, em janeiro de 1947. Neste artigo, além de tornar o termo conhecido, o historiador nos deixou uma importante análise: existe uma relação entre uma Corte se comportar perante toda uma sociedade como uma instituição fundamental para o desenvolvimento democrático de uma sociedade e, estar mais sujeita a críticas desta mesma sociedade (CAMPOS, 2014, p.43).

Para entender a Corte, o historiador tentou traçar um perfil de cada um de seus juízes da Suprema Corte de 1947, classificando-os da seguinte maneira: (a) juízes ativistas com ênfase na defesa do direito das minorias e das classes mais pobres – Justices Black e Douglas; (b) juízes ativistas com ênfase na liberdade – Justices Murphy e Rutledge; c) juízes campeões de autorrestrição – Justices Frunkfurter, Jackson e Burton; e (d) Juízes representantes do equilíbrio de forças (balances powers) – Chief Justice Fred Vinson e o Justice Reed.

Para Schesinger, a Corte quase sempre decidia de forma visivelmente dividida. Estas divisões eram geradas pelas características pessoais e intelectuais dos juízes que se estabeleciam da seguinte forma: o grupo dos ativistas, com influência de Hugo Black, e os autorrestritivos, liderados por Felix Frankfurther. Sazonalmente, os juízes Fred Vinson e Stanley Reed, alinhavam-se a um, ou a outro grupo de forma sazonal, a depender do conteúdo que era julgado.

Aparentemente, ao descrever esta divisão supracitada, o autor estava descrevendo uma narrativa que corroborava com um certo antagonismo ideológico que orbitava no debate, qual seja: o papel institucional da Suprema Corte norte-americana.

Sendo assim, defendia que parte dos juízes que se sobressaiam aos demais – aqueles que substituíam a vontade do legislador sob o argumento de uma atuação mais proativa na promoção dos direitos fundamentais (defensores do ativismo judicial) e aqueles que, ao contrário, entendiam que a Corte não deveria intervir neste assunto (defensores da autorrestrição judicial).

Interessante ressaltar o termo ativismo judicial e autorrestrição judicial, tornaram-se conceitos chaves (após reformulado pelos teóricos do direito) para compreensão do modus operandi das Cortes e Tribunais de um modo geral, sem que necessariamente o historiador em questão, tivesse esse objetivo ao produzir o artigo.

Segundo Leite (2017), o artigo não visava discutir o papel adequado do Poder Judiciário, mas somente descrever a Suprema Corte do ano de 1947, fim a Era Lochner, recorte temporal em que Corte sofria severas críticas por proferir decisões baseadas nas doutrinas do liberalismo econômico, não deixando claro os critérios que foram utilizados para adjetivar uma decisão como ativista, o que traz inúmeras dificuldades para se tentar encontrar uma abordagem mais adequada sobre o modus operandi das Cortes.

Neste sentido, a divisão ideológica só enfatizava “traços subjetivos” dos juízes, personificando assim, o ativismo e a autocontenção. Mesmo, com toda esta análise proposta por Schesinger, o termo “ativismo judicial”, só se fez popular, por segmentos políticos conservadores, a partir de 1953 (na Era Warren). Isto porque, a Corte passou a decidir casos de intensa carga política.

Todavia, aparentemente a tentativa de caracterização foi positiva. A contribuição de Schlesinger, por meio de sua formulação que apontava para a ideia de que o ativismo judicial representava uma “declaração de poder”, sendo representada como algo que seria justamente o contrário de autorrestrição “resistir à supremacia judicial” em deferência a escolhas do legislador, aloca a discussão sobre o ativismo judicial num campo até então, não pensado: o ativismo judicial está mais atrelado à esfera político-institucional do à esfera jurídico-metodológica (CAMPOS, 2014).

Portanto, põe-se em relevo que o centro do debate sobre o ativismo judicial, é o debate do espaço decisório ocupado pela Corte. Se, maior este espaço ocupado, mais ativistas serão as decisões; se menor o espaço ocupado, mais autorrestritivas serão as decisões. Schesinger, tomou partido ao defender que, seria o melhor para a democracia dos Estados Unidos, uma Corte autorrestritiva. Todavia, com uma ressalva, pois condutas ativistas seriam permitidas em casos de ameaça à própria liberdade individual de participação dos indivíduos.

I - Ativismo judicial associado à usurpação de poder

Conforme exposto anteriormente, o surgimento da terminologia “ativismo judicial”, em 1957, está atrelada a uma rotulação subjetiva dos juízes da Suprema Corte norte-americana. Schesingher, talvez não propositalmente, visou destacar apenas visões ideológicas particulares dos intérpretes. Neste sentido, houve uma ausência de critérios objetivos para delimitá-lo, a fim de construir uma identificação mais segurança – com elementos distintivos pudessem classificar uma decisão como ativista (LEITE, 2014).

Na realidade, ao se tornar popular, a expressão transformou-se um clichê para ser atribuído a todo e qualquer comportamento errôneo por parte dos Tribunais, no exercício de sua jurisdição constitucional. Hodiernamente, é utilizado como um termo de fácil manipulação, dada a sua imprecisão semântica - ou seja, a depender da visão ideológica o observador a utiliza, pode representar apenas uma atribuição negativa – um sinônimo de usurpação ou de extrapolamento de poder.

Diante deste contexto, uma abordagem que levasse em conta a dinâmica institucional do fenômeno, seria mais assertiva para o debate ou, pelo menos, mais compatível com suas características e dimensões múltiplas. Uma visão institucional do ativismo judicial, que não focasse em pontuar se uma decisão é “certa” ou “errada”, “justa” ou “injusta”, não se atrelando ao valor intrínseco de uma determinada decisão.

Uma visão, que não partisse de um preconceito, ou seja, da ideia de que o ativismo judicial é positivo (devendo ser usado indiscriminadamente) ou negativo (exigindo condutas deferentes o tempo todo). Que reconhecesse e abarcasse a complexidade do ativismo judicial como um fenômeno multifacetado. Até porque, não parece razoável que uma Corte seja sempre ativista, nem que sempre tenha condutas autorestritivas, uma vez que da dinâmica normativa e institucional não é estanque (CAMPOS, 2014).

Neste sentido, aparentemente há a necessidade de observar o debate acerca do ativismo judicial no Brasil e seus desdobramentos. Isto porque, o arcabouço metodológico da experiência norte-americana não pode ser visto como compatível a experiência brasileira, sem que se faça qualquer ponderação, desconsiderando-se o ambiente normativo e democrático do Brasil.

O debate sobre o tema em questão no Brasil, é ainda muito incipiente, sem qualquer consenso em torno do sentido da expressão “ativismo judicial” pode ser utilizada, fazendo com que ele torne-se escorregadio, de difícil delimitação, com dificuldades de se identificar o valor do termo (se positivo ou negativo), sem sua manifestação por meio das práticas ativistas (LEITE, 2017).

Se faz necessário, diante deste contexto, antes mesmo de teorizar sobre o ativismo judicial, superar o “problema da indefinição conceitual”, cada vez mais agravado pelo uso indistinto do termo, não havendo qualquer uma opinião consolidada academicamente. Sem dúvidas, o fenômeno é mais criticado do que elogiado, sempre entendido de certa forma, uma ameaça à democracia – havendo um discurso variável – mas, predominantemente carregado de uma conotação negativa – utilizado como um “insulto” (CAMPOS, 2014).

Tudo isso, faz com que o fenômeno seja intensamente criticado, sem que haja qualquer critério mais objetivo para a sua identificação e avaliação. Ocorre, uma aparente centralização na forma, em detrimento ao conteúdo do fenômeno. Todavia, sem que se tenha uma identificação mais objetiva do termo, corre-se um sério risco do fenômeno ser atingido pelo senso comum.

Portanto, é imprescindível analisar as principais abordagens do termo na doutrina pátria, para constatar-se como se dão tais atribuições ou utilizações da terminologia.

II - A miscelânea quanto a utilização do termo ativismo judicial

Conforme já esboçado, existe uma ausência de consenso que orbita sobre a utilização do termo ativismo judicial nas produções acadêmicas e doutrinárias no Brasil. Neste sentido, há pelo menos, duas divergências essenciais: 1) sobre a legitimidade do exercício do ativismo judicial (sempre ilegítimo?) e; 2) sobre a sua valor atribuído as práticas as práticas ativistas (negativo ou positivo? Errado ou certo?).

Iniciando-se por Tavares (2012), que sugere uma defesa mais amena ou moderada do ativismo judicial na jurisdição constitucional. Defende, que em muitos casos o exercício deste fenômeno está atrelado a um verdadeiro Estado judicial, criticando em paralelo a uma ideia de tirania da maioria, tão nociva quanto. Consequentemente, o fenômeno deturpa a Democracia Constitucional, transformando o judiciário numa espécie de instancia principal de poder.

Todavia, fugindo desta ideia de judicialismo extremado citado acima, o referido autor utiliza o termo como “institucionalmente relevante e adequado”. Assim defende, ao fazer um contraste com a política self-restraint, observando que a autorrestrição não deve ser concebida como um elemento para afastar a concretização dos direitos fundamentais. Mesmo assim, ainda faz ressalvas, pois pra ele a defesa de uma atuação “intransigente, global e exclusiva” da justiça constitucional, mesmo que no campo dos direitos fundamentais, é “democraticamente repulsiva”.

Sendo assim, mesmo que o autor tenha o fulcro de justificar a legitimidade da uma atuação mais proativa do judiciário na seara dos direitos fundamentais, acaba não esclarecendo quais os critérios estão sendo utilizados para identificar práticas de “ativismo” ou de “autorrestrição”.

Observa-se, que a expressão não guarda relação com uma delimitação conceitual. Aparentemente, ocorre justamente o contrário. Motivo, que reforça ainda mais a ideia de que o termo deve ser utilizado com transparência. Não só quando fala-se em ativismo judicial, como também com relação à autorrestrição judicial.

Já Leal (2008), entende que inexiste ativismo judicial na conduta do Supremo. O que existe é um Supremo altivo. O autor inicialmente traça uma cronologia de jurisprudências norte-americanas em dois momentos, que perpassam por uma Corte que inicialmente foi responsável por inúmeros retrocessos sociais (entre 1987 a 1963) e; um estágio histórico-jurisprudencial em que, a Corte contribuiu para um certo avanço social (entre 1963 a 1966).

Trazendo o debate para o Brasil, o que o autor defende algo bastante distinto dos demais autores, quando passa estudar os casos em que o Supremo decidiu. Entende o autor, que casos considerados como típicos do exercício da expansão dos poderes políticos-decisórios – ativistas (como o caso do nepotismo, do exercício de greve dos servidores públicos, concretizações do direito à educação e saúde, etc), nada mais são do que “o exercício da atribuição de guardião da Constituição”. Ou seja, a Corte brasileira não é ativista, somente altiva e “nada mais” (LEAL, 2009).

Ao que indica, o autor se equivoca ao chegar a esta conclusão de que o termo “ativismo” não deve ser aplicado à conduta da Supremo. Não há razões para se negar a atribuição do termo “ativista” ao Supremo, pois são casos de visível expansão dos poderes judiciais em detrimento aos demais poderes.

Sendo assim, o autor utiliza a terminologia “altiva” como recurso, para não se afirmar expressamente que a Corte brasileira é ativista, pelo embaraço que isso poderia representar. Isto só demonstra, que existe uma compreensão prévia do termo, atrelada à uma carga valorativa negativa – certa hostilidade.

Por sua vez, Ramos (2015), é taxativo ao afirmar o ativismo como um exercício decisional que ultrapassa os limites da função jurisdicional, acentuadamente, em detrimento da função legislativa, como também, da função administrativa e de governo. Por esta lógica, o ativismo seria um adentramento do poder judiciário em áreas em que a Constituição não permite, pois estão delimitadas aos outros poderes. Consequentemente, ativismo judicial é sinônimo de um corrompimento da função jurisdicional.

Pode-se entender, que o autor atribui ao ativismo judicial à um status de uma conduta ilegítima a priori, independentemente do caso que se coloca em tela. Desta afirmação, sobressalta uma dificuldade central. Ora, se uma prática ativista é aquela que ultrapassa os limites das funções do Estado, quais seriam estas linhas?

O sistema de repartição funcional dos poderes foi desenvolvido no Estado Liberal, ou seja, corresponde há um lapso histórico com outra dinâmica social, com outra ordem Constitucional. Ressalta-se também, que não existe um modelo de repartição funcional dos poderes homogêneo ou universal (LEITE, 2017).

Sendo assim, o que pode ser considerado ativismo noutros países, pode não ser considerado no Brasil, e vice e versa. Isto porque, a análise deve ser o mais objetiva possível, levando em consideração o desenho institucional de cada Estado, traçado nos respectivos ordenamentos jurídicos.

Humberto Ávila (2009), embora reconhecendo que o protagonismo das Cortes, as modificações da hermenêutica, do papel do intérprete e da norma, faz ferrenhas críticas a uma série de afirmações doutrinárias que são amplamente difundidas no meio jurídico. Entende, que a estrutura da Constituição brasileira não permite dizer que existem mais normas princípios do que normas regras, e que consequentemente o legislador deixou pistas de que deve-se priorizar as regras em detrimento aos princípios.

O autor, não fala diretamente, pois direciona estas atitudes não como ativistas, mas como pós-positivistas. Todavia, aparentemente, defende que o princípio da separação dos poderes é afrontado pelo ativismo judicial, pois essas recentes mudanças na interpretação e aplicação do direito, com uma preferência pelos princípios em detrimento as regras, produzem uma transformação negativa na relação entre os poderes, produzindo uma concentração de Poder no Judiciário, em detrimento aos demais poderes.

Como se vê, não há uma ideia de um traço comum que pode ser utilizado para caracterizar uma utilização do termo ativismo judicial, e muito possivelmente a raiz deste problema está no conceito daquilo que de fato é o fenômeno e como ele deve ser encarado.

III - O elemento comum do ativismo, seu conceito e desdobramentos

Mesmo com todo esse emaranhado teórico exposto acima, recentemente, surgiram doutrinadores que entendem o ativismo judicial como um fenômeno ligado à aspectos político-institucionais em detrimento a questões meramente hermenêuticas e jurídicas, entendendo que é perfeitamente possível se traçar uma “linha comum”, mesmo com estes sentidos heterogêneos.

Estes autores difundem a ideia de que existe um elemento caracterizador, comum a todas as decisões ativistas, que está atrelado ao “aumento da relevância da posição político-institucional de juízes e Cortes sobre os outros atores e instituições de uma dada ordem constitucional” (CAMPOS, 2014).

Este traço distintivo, que caracteriza as decisões ativistas, muito embora manifestando-se por dimensões diferenciadas, pode ser visualizado em todos os casos ativistas. Nada mais é, do que a expansão do poder judicial (ou decisório), em detrimento dos outros atores estatais que receberam o batismo do voto. A consequência fática do ativismo judicial é a atuação em espaços políticos tradicionalmente ocupados pelos demais poderes (LEITE, 2017).

Por este prisma, o ativismo judicial para Leite (2017):

Neste sentido, um comportamento judicial ativista tende a expandir os poderes judiciais em detrimentos de outras autoridades estatais. Em outras palavras, ao pretender decidir uma controvérsia com independência, o Tribunal amplia seu papel institucional frente a outras instâncias de poder. (p.64)

No mesmo sentido, Campos (2014):

[...]definirei o ativismo judicial como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos, que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes nos contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias. (p.36-27)

De acordo com as definições supracitadas, o ativismo judicial não é caracterizado como uma atitude ilegítima, carregada de uma ideia de usurpação de poder ou ainda fincada numa visão estática da separação funcional dos poderes. Mas, sim, como um exercício de expansão de poderes judiciais, que pode ser identificado não de forma isolacionista ou segregada, mas em conjunto com o complexo de variantes institucionais, normativos e históricos.

Senso assim, a prática decisória que se manifesta de modo múltiplo, é apenas um componente da definição. Daí decorre a afirmação assertiva (de acordo com o alinhamento teórico deste artigo), de que não se pode focar as definições e análises somente no aspecto hermenêutico do fenômeno, levando a cabo a todo custo a sustentação de um esquema estático de separação das funções, desconectado a dinâmica ao sistema dialógico existente nas sociedades contemporâneas.

Ademais, para Leite (2014) “A compreensão do ativismo e da autorrestrição no esquema estrutural da separação dos poderes tem várias implicações metodológicas”. Primeiro, entender que o ativismo judicial e a autorrestrição judicial não estão ligados a nenhuma “bandeira ideológica”. Isto porque, é comum a afirmação de que os adeptos do ativismo judicial seriam ideologicamente ligados ao liberalismo ou ao socialismo; por sua vez os adeptos da autorrestrição judicial ligados a um viés mais conservador.

Neste sentido, primeiramente, é possível afirmar que se há a manifestação do fenômeno ativismo judicial, necessariamente, existirá uma expansão de poderes judiciais por parte da Corte em detrimento dos demais atores políticos, independentemente, se ele é inspirado por esta ou aquela inclinação política subjetiva. Reconhece-se por esta lógica de pensamento, menos “corrompida” do ativismo judicial, o apartando de atribuições elogiosas ou de ataques a decisões por fundamentação ideológica. Trata-se, portanto de um movimento de expansão (CAMPOS, 2017).

Segundo, o ativismo judicial não está ligado ao conteúdo da decisão. Isto porque, afirmar que uma decisão ativista não necessariamente é afirmar que esta é equivocada, usurpadora ou ilegítima. Pois, o inverso disso, seria afirmar que toda decisão autorrestritiva (deferente aos demais poderes), é correta. O que não parece coerente.

Portanto, deve-se afastar a análise de mérito das decisões ativistas (seja assertiva ou equivocada), para manter o foco os “aspectos institucionais do ativismo judicial”, priorizando a análise no alargamento ou retraimento da quanto a extensão dos poderes judiciais (LEITE, 2017).

Terceiro, o ativismo judicial não é sinônimo de abuso, excesso ou arbítrio. Isto porque, determinado desenho institucional pode não só estimular, como exigir em um dada circunstância, uma postura institucional ativista por parte do Judiciário. É por isso, que a adoção irrestrita de atitudes de deferência institucional (autorrestrição judicial), como se fosse algo possível de ser aplicado a qualquer desenho institucional, não parece ser uma defesa razoável (BARROSO, 2010).

Até porque, como frisa Campos (2014) “[...] nenhum juiz pode ser sempre ativista, assim como não se pode ser sempre autorrestritivo”. Neste sentido, ser sempre uma coisa ou outra, fatalmente gerará uma atuação ilegítima. Portanto, em certas ocasiões, “o legítimo é ser ativista”, e em outras, é ser autorrestritivo e “na maior parte das vezes, nem uma coisa em outra”.

Quarto e último ponto, esta abordagem também se afasta ilações que visem procurar a “decisão correta” à luz desta ou daquela teoria hermenêutica. Isto porque, a discussão nevrálgica a respeito do ativismo judicial se vinculada tão somente a questões de ordem hermenêutica, redundaria na discussão sobre os limites da interpretação jurídica. Todavia, este última já tem conteúdo próprio, e trazida para o debate das relações institucionais, que é onde o debate sobre o ativismo deve se travar, não acrescentaria em nenhuma novidade no debate acadêmico (LEITE, 2017).

Portanto, esta redundância acima citada, decorre da dificuldade em se desenvolver uma teoria da interpretação jurídica com características mais gerais, sob o risco de aplica-se o direto de acordo com este ou aquele modelo hermenêutico. Por isso, entender o ativismo judicial ligado principalmente ao nicho hermenêutico, pressupõe que a comunidade acadêmica e jurídica já chegou a um modelo de interpretação constitucional.

Conclusão

Diante do exposto, viu-se inicialmente que a terminologia ativismo judicial é bastante escorregadia, sempre analisada de forma aprisionada ao sentido negativo, por vezes pejorativo, passando a ideia de uma conduta de usurpação de poder. Logo, ilegítima e atentatória ao princípio da separação dos poderes. Essa abordagem, aparentemente esconde consigo a ausência de parâmetros objetivos que visam uma melhor caracterização do fenômeno.

Todavia, recentemente a doutrina brasileira tem avançado no sentido de lançar contornos mais objetivos quanto à utilização da terminologia. Por essa nova abordagem, o fenômeno é entendido em sua complexidade múltipla. Senso assim, o ativismo judicial pode ser considerado, o alargamento dos poderes político-normativos dos Tribunais, em detrimento aos demais poderes.

Trata-se então, de uma questão de poder judicial. Portanto, o seu núcleo comportamental é expansão dos poderes judiciais. Viu-se que esta afirmação leva à algumas questões. São elas: o ativismo judicial não necessariamente está ligado ao conteúdo da decisão. O fenômeno não é sinônimo de erro na decisão.

Terceiro, decisões ativistas não são sinônimo de abuso de poder. O abuso de poder, pode ocorrer em qualquer decisão ilegítima, atentatória aos limites democráticos, independentemente de ser a decisão ativista ou não. Inclusive, em decisões autorrestritivas.

E por último, o ativismo judicial não é tão somente um problema hermenêutico. Porque, a centralidade gravitacional do debate acerca do fenômeno, não é o não é jurídico-normativa, mas político-institucional. Tratando-se, da algo relativo à uma maneira do judiciário se comportar perante os demais atores político-institucionais. Restringir este riquíssimo fenômeno a problemas hermenêuticos, significa observá-lo levando em consideração apenas uma de suas dimensões.

Portanto, cercar o ativismo judicial de um olhar mais objetivo, menos setorial e mais institucional, mesmo com toda riqueza subjetiva que a ele se atribui, é fundamental para caracterizar o fenômeno de uma forma menos pejorativa, livrando-se de sentidos do senso comum, desavisadamente atribuídos à terminologia.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Dimensões do ativismo judicial do STF. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

LEITE, Glauco Salomão.Juristocracia e constitucionalismo democrático. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010.

TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

LEAL, Saul Tourinho. Ativismo judicial ou Altivez?. Brasília: Instituto Brasileiro de Direito Púbico, 2008. Disponível em: http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/87/disserta%C3%A7%C3%A3o_Saul%20Touri...

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