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24 de Abril de 2024

DF deverá indenizar mãe e irmã de menor morto em unidade de internação provisória

O estado deverá pagar R$ 150.000,00 (cento cinquenta mil reais) à primeira autora e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a segunda requerente, por danos morais.

Publicado por Diego Carvalho
há 6 anos

Número do processo: 0712829-53.2017.8.07.0018

Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM (7)

AUTOR: L. B. D. S., A. C. B. D. S.

RÉU: DISTRITO FEDERAL

SENTENÇA

Vistos etc.

Trata-se de Ação de Conhecimento ajuizada L. B. D. S. e A. C. B. D. S., em desfavor do DISTRITO FEDERAL, requerendo o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), para cada autora.

Narram as requerentes, serem mãe e irmã de F. B. d. S., respectivamente. Em 12/11/2014, F. d. S. B., então com 13 (treze) anos de idade, voltava da escola com um colega de classe.

Seu amigo o convidou para praticar um roubo, mas F. negou-se a participar da empreitada. Mesmo assim, o outro adolescente roubou uma pessoa e os dois foram apreendidos acusados de ato infracional análogo a roubo.

O parente das demandantes foi encaminhado ao Núcleo de Atendimento Inicial – NAI. Contudo, seu pai não compareceu à audiência prévia e o menor foi levado à Unidade de Internação Provisória de São Sebastião - UIPSS.

Seus pais foram informados de que o adolescente corria risco de vida, porquanto dividia a cela com portador de transtornos mentais, com histórico de agressão de outros companheiros de internação.

Então, os genitores da vítima comunicaram o fato aos servidores do local, mas não houve providências.

Desta forma, após 6 (seis) dias de internação, em 18/11/2014, F. foi vítima de homicídio cometido pelo próprio companheiro de cárcere nas dependências da unidade de internação.

Alegam falha estatal na garantia do adolescente durante o cumprimento de medida socioeducativa, culminando em seu óbito.

Portanto, ante a conduta estatal deficiente, experimentaram graves danos morais ensejando no pleito indenizatório.

Requerem a procedência dos pedidos para condenar o réu ao pagamento de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), para cada demandante.

Ainda postularam a gratuidade de Justiça.

Deram à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Deferi a gratuidade de Justiça às demandantes.

Contestação do Distrito Federal. Alega ser caso de responsabilidade subjetiva por conduta omissiva do Estado.

Não existe qualquer omissão imputável ao ente federado. Foram tomadas todas as medidas administrativas visando a incolumidade física do interno F. d. S. B..

Não havia rixa ou desentendimento prévio entre os internos da cela onde a vítima estava. Também não existia histórico de violência do adolescente causador do homicídio.

Não há nexo de causalidade para cominar responsabilidade civil ao requerido. Ao contrário, trata-se de fato de terceiro, imprevisível e inevitável.

Insurge-se contra o valor da indenização, conquanto entenda desarrazoada, incompatível com os elementos probatórios, bem como desalinhado com a jurisprudência dominante.

Assim sendo, caso ocorra condenação, pugna pela redução do montante a ser pago a título de reparação de danos morais.

Por fim, pleiteia a improcedência total dos pleitos inaugurais, ou, a mitigação do importe a ser adimplida por danos morais, consoante a jurisprudência do eg. TJDFT.

Certificado o transcurso in albis para a réplica das autoras.

Manifestação do Ministério Público pela não intervenção na lide.

Julguei prescindível a produção de outras provas ao deslinde do feito, bastando a documental já acostada aos autos e aplicação do direito à espécie, aptos ao julgamento antecipado do mérito.

Os autos vieram conclusos para sentença.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos processuais e condições da ação, passo ao julgamento antecipado do mérito.

Cinge-se a questão sobre a viabilidade de reparação por danos morais em decorrência da morte de parente das autoras no âmbito do sistema socioeducativo do Distrito Federal.

Inicialmente relembro o direito à incolumidade física dos presos, assegurado pelo art. XLIX[1], da Constituição Federal, também aplicável aos adolescentes em conflito com a lei.

De outro modo, cabe rememorar que a teoria do risco administrativo possui fundamento no art. 37, § 6º[2], da Constituição Federal.

Diante deste panorama, a responsabilidade objetiva do estado ocorre quando há relação de causa e efeito da atuação dos seus agentes públicos e o dano sofrido pela parte ofendida.

Nesses casos, apenas a prova do ato lesivo, do dano e do nexo de causalidade é necessária para a reparação o dano.

Desta feita, a obrigação de garantir a integridade física dos internos, enquanto custodiados ou cumprindo as medidas restritivas de liberdade elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente é encargo imperioso do Estado.

Consoante o conjunto fático probatório colacionado aos autos, verifico que após ser internado em caráter provisório, o filho e irmão das demandantes foi vítima de ato infracional análogo a homicídio dentro de unidade do sistema mantido pelo réu.

Por seu turno, o requerido não conseguiu provar qualquer excludente da sua responsabilidade. Destarte, caracterizada a responsabilidade objetiva estatal, surge para o réu o dever de reparar os danos oriundos da morte do familiar das autoras.

Em sede infraconstitucional, os artigos 43, 186 e 927 do Código Civil versam a reparação de danos. Já o artigo 948[3], trata especificamente sobre as hipóteses de homicídio.

Não restam dúvidas quanto à dor e o sofrimento da genitora do adolescente falecido quanto à sua perda, alijando-a do convívio do seu filho. Assim sendo, nasce a incumbência de indenização por parte do demandado.

Nessa linha julgou o eg. TJDFT:

REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. MORTE DE ADOLESCENTE EM ESTABELECIMENTO DE RECUPERAÇÃO. AÇÃO DE OUTRO INTERNO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. FIXAÇÃO DE DANO MORAL. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. A responsabilidade da administração pública pelos danos causados em razão de morte de interno em estabelecimento prisional é objetiva, sendo desnecessária a comprovação de culpa; considerando a obrigação do Estado em zelar pela incolumidade física daqueles que estão sob sua guarda.

2. O Estado, nos termos da norma constitucional, tem o dever de assegurar a incolumidade dos cidadãos quando lhes restringe a liberdade em razão da cominação de pena através do jus puniendi. Nesse sentido, tem-se que, por analogia, pode-se conferir a referida proteção à situação de menor que se encontra em estabelecimento de recuperação.

3. Nesse sentido, o Estado tem por obrigação a guarda, proteção e vigilância dos menores internos que se encontram sob sua custódia, detém, pois, o dever de impedir a produção de qualquer resultado danoso.

4. Não pairam dúvidas que o sofrimento causado pela perda prematura de um ente querido gera profunda dor aos familiares, além de causar severo abalo emocional, não existindo, por certo, meios de recompor a situação ao status quo ante. Nesse sentido, o dano moral decorrente da morte de um ente querido está ligado a dor íntima e a tristeza causada pela perda, sentimentos estes inquestionáveis.Sua comprovação é impossível no plano fático. O dano decorre tão-somente do abalo psíquico gerado.

5. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando o exame das circunstâncias do caso, a capacidade econômica do ofensor e da exemplaridade, como efeito pedagógico, que há de decorrer da condenação. Não pode ser tão mínima que não consiga frear e servir de reprimenda aos atos ilícitos e nem tal alta que seja fonte de enriquecimento sem causa. Assim, devem ser cotejadas as condições econômicas das partes e o exemplo que a indenização representa para que futuras situações não se repitam, além das circunstâncias do caso.

6. Analisando criteriosamente os fatos, o valor arbitrado apresenta-se excessivo. E, a fim de evitar qualquer configuração de enriquecimento sem causa ou via transversa de se auferir lucro, necessária a redução do valor.

7. Remessa Necessária e Apelação Cível conhecidas e parcialmente providas. Reforma da sentença reformada.

(Acórdão n.893137, 20120111365825APO, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, Revisor: TEÓFILO CAETANO, 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 09/09/2015, Publicado no DJE: 22/09/2015. Pág.: 131)

No que cinge a segunda requerente, ainda que tenha relação colateral de parentesco como irmã do de cujus, sofreu danos morais reflexos em razão da conduta contra a lei cometida pelo réu, privando-a da convivência do seu irmão.

Neste sentido já decidiu o eg. TJDFT em circunstâncias análogas:

ADMINISTRATIVO. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DE DETENTO SOB A CUSTÓDIA DO ESTADO. HOMICÍDIO PRATICADO POR OUTRO PRESO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE ZELAR PELA INCOLUMIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO. ART. , LXIX E 37, § 6º, DA CF/88. LEGITIMIDADE DOS IRMÃOS. DANO POR RICOCHETE. DESPESAS COM FUNERAL. ART. 948, I, DO CÓDIGO CIVIL. QUANTIFICAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO.

1. Os irmãos possuem legitimidade para postular indenização pelo falecimento do outro irmão vítima de homicídio, de forma independente dos pais, ante o dano moral reflexo, por ricochete, sendo desnecessária a produção de prova do sofrimento, que é presumido pelas próprias circunstâncias do fato. Não obstante, para os fins de mensuração dos danos morais, deve ser considerado o grau de ligação com a vítima e o fato de que a dor e o sofrimento dos genitores são genuinamente de maior intensidade.

2.O Estado possui responsabilidade objetiva nos casos de morte de preso sob a sua custódia, independentemente da culpa dos agentes públicos. Precedentes do e. STF e do c. STJ.

3.O fato de tratar-se de responsabilidade objetiva do Estado, que dispensa a prova da culpa, não elide o ônus da vítima em demonstrar o nexo de causalidade existente entre a conduta e o dano experimentado, o que, no caso, restou bem delineado.

4. Encontra-se configurada a responsabilidade civil do Estado em reparar o dano ocasionado pela inobservância ao seu dever constitucional de guarda e a omissão dos agentes penitenciários quanto à tomada das medidas que seriam exigíveis para evitar o homicídio.

5.Por se tratar de homicídio e ante a responsabilidade civil do Distrito Federal, o dano material deve incluir as despesas com o funeral e o luto da família, nos termos do art. 948, I, do Código Civil.

6.Malgrado o convívio entre as partes já estivesse sido rompido, em razão de ato voluntário da própria vítima, não se pode olvidar que a morte de um filho deflagra uma dor incalculável, sendo que a fixação dos danos morais, em relação aos seus genitores e os irmãos, deve relevar aspectos como: (i) a culpa grave no evento do Estado; (ii) a relevância do bem jurídico lesado: a vida; (iii) a repercussão do ato ofensivo no contexto pessoal e social, que releva os problemas estruturais das penitenciárias brasileiras; (iv) a intensidade da alteração anímica verificada na vítima; (v) o antecedente do agressor e a reiteração da conduta; (vi) a existência ou não de retratação por parte do ofensor; (vii) condição econômica das partes envolvidas.

7.Deu-se provimento ao recurso dos autores, para condenar o Distrito Federal a indenizá-los a título de danos materiais e morais pela morte do detento, considerando-se na quantificação arbitrada em favor dos irmãos, outros aspectos, tais como o grau de proximidade e de ligação com a vítima.

(Acórdão n.813831, 20130110486694APC, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Revisor: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 20/08/2014, Publicado no DJE: 27/08/2014. Pág.: 121)

Superada essa etapa, cabe fixar o quantum indenizatório. As requerentes postularam a condenação do réu em R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), cada uma, em decorrência do aludido evento danoso.

Em relação à mãe da vítima, entendo que a morte de um filho ocasiona uma dor imensurável. Na esfera do dano moral é necessário elaborar critérios onde não seja arbitrada uma quantia insignificante para o autor do ilícito e, ao mesmo tempo, não pode acontecer um enriquecimento sem causa pela parte lesada.

Seguindo esse raciocínio, listo os seguintes fatores para computar o valor a ser reparado: a) a culpa grave praticada pelo réu; b) a alta importância do bem jurídico lesado – vida humana; c) os reflexos do ato danoso no contexto pessoal e social da autora e; d) condição econômica das partes envolvidas.

Desta maneira, considero razoável e proporcional a condenação do demandado ao pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para a mãe do adolescente falecido.

Aplicando os mesmos parâmetros, mas levando-se em consideração o dano em ricochete experimentado pela segunda demandante – irmã da vítima - entendo pela fixação do quantum indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Estribado nesses fundamentos, a pretensão das requerentes merece acolhimento.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, forte nas razões, JULGO PROCEDENTES os pedidos delineados na inicial, para CONDENAR o Distrito Federal ao pagamento de R$ 150.000,00 (cento cinquenta mil reais) à primeira autora e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a segunda requerente, por danos morais, incidindo correção monetária desde o arbitramento[4], pelo IPCA-e. Incidem ainda juros de mora de 6% ao ano a partir do evento danoso, qual seja, da data do óbito do parente das demandantes, nos termos da Súmula 54[5] do STJ.

Resolvido o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/15.

Custas e despesas “ex lege”.

Tendo em vista os requisitos referenciados nos incisos do artigo 85, § 2º, do CPC, condeno o Distrito Federal em honorários advocatícios em favor das autoras, em 10% (dez por cento) do valor condenatório atualizado.

Sem remessa necessária em razão do valor condenatório (art. 496, § 3º do CPC).

Havendo a interposição de Apelação, bem como de recurso adesivo, proceda a Secretaria do Juízo de acordo com as determinações do art. 1.010 e §§, do CPC, remetendo-se os autos ao eg. Tribunal com as cautelas de estilo.

Decorridos os prazos legais, após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Brasília - DF, 3 de maio de 2018 13:46:35.

JANSEN FIALHO DE ALMEIDA

Juiz de Direito

Notas:

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[3] Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

[4] Súmula nº 362 - A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

[5] Súmula nº 54 -Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.

Assinado eletronicamente por: JANSEN FIALHO DE ALMEIDA

03/05/2018 13:55:13

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